terça-feira, 31 de maio de 2011

Movimento em revista, revista em movimento

     Não se pode afirmar se o De Stijl foi um movimento que gerou uma revista ou uma revista que gerou um movimento completo, forte e inovador (suas datas e seus invólucros se confundem); o que podemos afirmar é que temos aqui a evolução e a dissolução do Neoplasticismo. Embora suas origens estejam nas artes decorativas, o movimento De Stijl desenvolveu uma ornamentação que refletia a influência do cubismo e rejeitava o artesanato em favor de um anti-naturalismo geométrico.
     O movimento em si nasceu na Holanda e não durou mais que 14 anos, teve por centro a obra de 3 homens: Piet Mondrian (pintor), Theo van Doesburg (pintor, decorador e arquiteto) e Guerret Rietveld (arquiteto). No entanto, a identidade do grupo tinha menos a ver com os membros individuais – que eram extremamente voláteis – que com doutrina definida no primeiro manifesto de 1918 e em números posteriores da revista que promovia a arte moderna. Em 1917, Doesburg publicou o primeiro número de De Stijl e já em sua primeira edição trazia a configuração que teria até seu término: expunha obras de arte, artistas, ensaios e aquilo que mais influenciaria as artes da época: os manifestos. De Stijl estava dirigida e dominada por Van Doesburg e chegou a ser um órgão importante da vanguarda internacional até que deixou de ser publicada em 1932. Nada melhor para introduzir e exemplificar os assuntos abordados do que a introdução da primeira revista feita por ele mesmo:


Theo van Doesburg,introdução ao Volume II de "De Stijl", 1919* 



                           O objeto da natureza é o homem

                           O objeto do homem é o estilo

     Aquilo que se expressa positivamente na plasticidade moderna - uma proporção equilibrada do peculiar e da generosidade - manifesta-se mais ou menos também na vida do homem moderno e constitui a causa original da reconstrução social, de que somos testemunhas.
     Do mesmo modo que o homem amadureceu até ser capaz de opor à dominação do indivíduo o livre-arbítrio, também o artista tende a contrapor à predominância do individual nas artes plásticas a forma e cor naturais, emoções, etc. Essa transferência, que se baseia numa interioridade amadurecida de todo homem, na vida no sentido estrito da palavra, num conhecimento racional, reflete-se no inteiro desenvolvimento da arte, especialmente na dos últimos cinquenta anos.
     Portanto, era de prever que esse desenvolvimento da arte, que ocorreu por saltos, afinal deveria resultar numa plasticidade inteiramente nova, que só poderia aparecer em e por um período que fosse apropriado para revolucionar por inteiro as relações espirituais (interiores) e materiais (exteriores).
Esse período é o nosso, e hoje estamos testemunhando o momento de uma plasticidade. Lá onde, por um lado, se faz sentir a necessidade de um novo fundamento, tanto espiritual - no mais amplo sentido da palavra - quanto material para a arte e a cultura e, por outro, tentam se manter sob todos os aspectos, a tradição e o convencionalismo - companheiro necessários de toda nova idéia ou ação - por uma tímida oposição às novas idéias, a tarefa daqueles que precisam dar testemunho de uma nova consciência - seja plasticamente, seja graficamente - torna-se importante e difícil. Essa tarefa exige energia e perseverança inabaláveis, fortalecidas e estimuladas pela oposição preservativa.  
     Desse modo, aqueles que deliberadamente dão uma falsa interpretação das novas concepções e considera, as novas obras plásticas da mesma maneira que consideravam as obras impressionistas, isto é, não mais profundamente que a superfície, sem o saber cooperam para a fundação de uma nova visão de vida e de arte. Só lhes podemos ser gratos por isso.
      Se examinarmos os números [de De Stijl] do ano passado, ficaremos admirados de ver que artistas produtivos conseguiram formular de maneira clara as idéias que adquiriram no curso de seu trabalho, contribuindo muito para a elucidação da nova consciência artística.
     Esta última é suficientemente confirmada pelo crescente interesse - inclusive no exterior - pelo conteúdo desta revista mensal, que não deixou de influenciar tanto a nova quanto a velha geração. Esse conteúdo, portanto, atende à necessidade do homem que adquiriu um conhecimento estético mais profundo. Que isto seja um estímulo para continuarmos com a mesma segurança nosso trabalho estético em prol da civilização, a despeito das dificuldades que, por razões temporais, opõem-se consideravelmente à publicação de periódicos.

*Publicado originalmente em De Stijl (Amsterdam), II, outubro de 1919, p.1. Tradução inglesa em De Stijl (catálogo de exposição), Amsterdam, Stedeliijk Museum, 7 de junho-9 de setembro de 1951, pp7-9. [ A tradução brasilerira foi feita a partir do texto inglês, por Antonio de Padua Danesi. (N. do Ed. bras.)]



                                           Capa da revista de 1921

  

   O movimento chegou a ter três fases, a primeira durou até um período de decadência em que Doesburg representou sozinho o movimento pois por volta de 1921 a composição do grupo já estava completamente alterada. Muitos já haviam se desligado e Mondrian se restabelecia em Paris como artista independente. Então Doesburg fez um proselitismo com do movimento no exterior e conseguiu novos membros como El Lissitzky (artista gráfico) e Hans Richter (cineasta). Visitou a Alemanha e juntou-se à Bauhaus mas provocou uma crise dentro dela cujas repercussões tornariam-se lendárias pois o impacto de suas idéias sobre alunos e corpo docente foi imediato e fulminante. Seu encontro com Lissitzky marca o início da segunda fase e uma transformação em sua obra, passando a projetar em desenhos axonométricos, uma série de estruturas arquitetônicas hipotéticas, cada qual compreendendo um conjunto assimétrico de elementos planos articulados suspensos no espaço ao redor de um centro volumétrico. Nessa época a própria revista mudou de formato passando de uma composição frontal com logotipo gravado para um layout elementarista assimétrico e um logotipo construtivista. Em 1923, cristalizou um estilo arquitetônico em uma exposição na galeria parisiense de Léonce Rosenberg, L”Effort moderne. A terceira fase (1925 a 1931) foi anunciada por uma divergência drástica entre Doesburg e Mondrian a propósito da introdução da diagonal nas pinturas do primeiro através de uma série de contracomposições. A essa altura a unidade inicial já estava perdida.



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